“A empresa de vigilância Ondrepsb foi condenada pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho) de Santa Catarina a pagar uma indenização de R$ 100 mil por criar empecilhos para uma mãe amamentar sua filha recém-nascida.
A menina morreu 50 dias após o término do período de licença-maternidade por uma inflamação no cérebro decorrente de uma virose.
A sentença é de 26 de julho. A empresa vai recorrer.
A Ondrepsb foi considerada culpada por afastar Marilda Nascimento do convívio com sua filha. Antes da gravidez, ela trabalhava como vigilante em um banco de Itajaí (97 km de Florianópolis).
Quando retornou ao serviço, a empresa obrigou a funcionária a participar de um curso de reciclagem por quatro dias em Florianópolis e, depois, a trabalhar em diversas cidades da região.
A vigilante passou a sair de casa às 6h e a retornar por volta das 19h30. A menina foi matriculada em uma creche”
No Brasil, uma empresa não pode ser condenada criminalmente por matar alguém. Isso porque, segundo nossa legislação, empresas, embora sejam pessoas independentes de seus donos, não têm vontade própria. Logo, quem não tem vontade não pode querer matar, certo?
Mais ou menos.
Primeiro, outros países têm legislações que prevêem o homicídio corporativo, que é o homicídio que ocorre quando uma empresa é responsável pela morte de alguém. Nesses países, para que a pessoa seja considerada culpada, olha-se não só o vínculo causal (a conduta da empresa foi responsável pela morte da pessoa?), mas também a cultura da empresa (sim, a cultura da empresa. Por exemplo, ela é uma empresa que implementa as regras de segurança com afinco ou é uma empresa que expõe os empregados a riscos constantemente?)
Segundo, normalmente a idéia de condenar uma empresa criminalmente soa estranha porque nós associamos crimes à prisão, e não é possível prender uma empresa. Mas, mesmo no Brasil, a pena contra o culpado não precisa ser necessariamente a de prisão. Ouvimos todos os dias os jornais falarem de penas de serviço à comunidade. No caso de um homicídio corporativo, por exemplo, pode-se multar e até mesmo fechar (‘matar’) a empresa culpada.
Terceiro, por não serem animais, de fato empresas não têm vontade própria. Mas nem todo crime envolve ‘querer’. No Brasil temos, por exemplo, o homicídio culposo, que é quando a pessoa age de forma imprudente, negligente ou sem a perícia esperada. É justamente aí que entra o homicídio corporativo em outros países. É o que inglês chama-se de involuntary manslaughter (o homicídio doloso chama-se,, normalmente, de murder ou voluntary manslaughter, dependendo do caso).
Quarto, embora uma empresa possa não ‘querer’, seus diretores podem. Óbvio que se um deles é quem quer matar, a culpa não é da empresa, mas de quem quis. Mas se há uma falha generalizada de controle e a cultura da empresa é uma de colocar a vida das pessoas em perigo, há homicídio corporativo.
Por fim, embora no Brasil nós não tenhamos homicídio corporativo, empresas podem cometer outros tipos de crimes: os ambientais. Logo, não é algo completamente estranho para nós.
Mas por que um país institui um crime de homicídio corporativo se é possível condenar a empresa civilmente?
Os países que instituem homicídio corporativo o fazem porque o que é necessário para condenar uma empresa criminalmente é diferente do que é necessário para condená-la civilmente. Se um falhar, o outro ainda estará disponível. Mas se ambos funcionarem, a empresa será condenada duas vezes: uma civilmente e outra criminalmente.
Mas existem duas outras razões importantes: civilmente o que você está buscando é uma reparação. Logo, a condenação tem limites ditados pelo dano causado. Já criminalmente busca-se a punição, e os limites não estão ligados ao dano causado, mas à punição necessária para fazer com que a empresa ‘se endireite’ e mostrar para as outras empresas o que pode acontecer com elas se elas cometerem o mesmo erro.
Segundo, ações civis são movidas (normalmente) por pessoas contra pessoas. No caso da matéria acima, por exemplo, foi a mãe quem teve que processar a empresa. Já nas ações criminais, é o Ministério Público quem move a ação. Logo, a vítima não tem despesas em processar a empresa criminalmente.